Monografia do aluno André Felipe Fernandes Carvalho, orientada pelo Prof. Érico Lins Leite, submetida ao Departamento de Administração da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito final para obtenção do título de Graduação em Administração de Empresas.
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas
Faculdade de Administração e Ciências Contábeis
SOLUCÃO DE CRISES NO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL:
Um estudo sobre a possível contribuição das “criptomoedas”
André Felipe Fernandes Carvalho
Matrícula nº 114135656
Monografia de Bacharelado
ORIENTADOR: Prof. Dr. Érico Lins Leite
Rio de Janeiro - RJ
Novembro
2018
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço ao meu professor e orientador Érico Lins Leite por ter me dado a oportunidade de realizar este projeto sendo o seu orientando, por ter colaborado, sempre com grande disposição de compartilhar sua vasta experiência e conhecimento e, ao mesmo tempo, tido paciência com as minhas dúvidas e imprevistos.
Agradeço aos meus pais pelo apoio que me foi dado ao longo de toda a minha educação formal (até aqui). Ainda, aos inúmeros professores brilhantes que tive contato durante o curso de Administração, muito obrigado pelo desenvolvimento crítico, técnico e pessoal.
Gostaria de agradecer também aos meus companheiros do campus da Praia Vermelha, em especial os meus contemporâneos da Impactus UFRJ, pela introdução ao tema dos cripto-ativos, e à minha amiga Natalia Fanzeres, pelo apoio ao longo deste trabalho.
RESUMO
Este trabalho objetiva compreender a evolução da estrutura do Sistema Financeiro Internacional (SFI) ao longo dos dois últimos séculos, evidenciando e correlacionando as crises dos sistemas existentes ao longo desse período com as soluções, alterações e inovações emergentes a partir de cada uma delas. Para tal foi realizada uma pesquisa básica, descritiva, qualitativa, indutiva e bibliográfica. A partir da análise dos dados observou-se forte correlação entre grandes crises cambiais no Sistema Financeiro Internacional com inovações financeiras delas decorrentes. Além disso, foi possível identificar o início de uma nova restruturação significativa no SFI com a introdução das ferramentas dos cripto-ativos (instituída pela criação do bitcoin em 2008, após a crise financeira global do mesmo ano). Por último, propõe-se o avanço no estudo das possíveis soluções e problemas macroeconômicos inerentes à utilização dos cripto-ativos, haja vista seus aspectos inovadores vis-à-vis as soluções tradicionais até aqui utilizadas para tratar as crises financeiras internacionais.
Palavras chave: Sistema Financeiro Internacional, sistemas cambiais, crises financeiras, ferramentas financeiras, cripto-ativos.
LISTA DE GRÁFICOS E ESQUEMAS
Gráfico 1 – Processo de emissão de bitcoins através da recompensa pela “mineração” dos blocos........................................................................................................................................22
Esquema 1 – O funcionamento do sistema de acordo com a dinâmica entre seus participantes..............................................................................................................................22
Esquema 2 – Fluxograma do processo da formação de um novo bloco..................................23
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 6
2. CONCEITOS......................................................................................................................... 7
3. DESENVOLVIMENTO...................................................................................................... 10
4. CONCLUSÃO.................................................................................................................... 26
5. NOTAS ............................................................................................................................... 27
6. REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 28
1. INTRODUÇÃO
De acordo com Panegalli (2010), “A interdependência das empresas entre si e destas com o Estado e com a economia internacional, é patente. A sobrevivência empresarial depende, em grande parte, do conhecimento dos fatos atuais e da previsão dos acontecimentos futuros, tanto no plano nacional quanto no internacional.”.
A partir dessas conceituações, entende-se que a revisão, compilação, e compreensão dos fatos relacionados ao desenvolvimento do Sistema Financeiro Internacional (SFI) atual é de suma importância para o entendimento, atuação e planejamento do mesmo. Logo, tais competências são de suma importância para gestores de maneira geral, mas principalmente de gestores financeiros de empresas com fortes relações (de consumidores e/ou fornecedores) em dois ou mais países. Tais gestores demandam do conhecimento dos impactos financeiros à sua empresa que podem vir a ocorrer dada a atual estruturação do SFI, bem como das possíveis ferramentas a serem utilizadas para reagir/se precaver a tais impactos.
Visando a compreensão da evolução do Sistema Financeiro Internacional ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, em termos teóricos (forma de estruturação e macroeconômica) e práticos (produtos e ferramentas financeiras existentes), foi realizada uma pesquisa bibliográfica. A pesquisa buscou levantar os sistemas adotados ao longo do período de escopo da mesma, visando compreender suas diferenças, as razões de seus respectivos términos e as inovações geradas a partir da adoção dos mesmos.
2. CONCEITOS
2.1. Sistema Financeiro Internacional
Segundo Roberts (2000), Sistema Financeiro Internacional (SFI) é a estrutura de acordos, regras, convenções e instituições em que o mercado internacional e firmas operam. Tais fatores que compõem essa estrutura buscam organizar de maneira sistemática as relações cambiais, comerciais, financeiras e econômicas entre os múltiplos estados e economias internacionais.
Roberts (2000) ainda evidencia que com a aceleração da globalização nos séculos XIX, XX e XXI, a partir do desenvolvimento tecnológico (que facilitou o transporte de informação, pessoas, bens, serviços e capitais) e da crescente liberalização dos mercados, as relações supracitadas se modificaram, criando a necessidade de maior organização das mesmas.
Vale ressaltar que a criação/modificação dos elementos do SFI para melhor organização das relações internacionais, muitas vezes, no médio/longo prazo, também vem a modificar tais relações, demandando mais adaptações dos mesmos elementos.
É interessante constatar que a abertura dos mercados e a maior integração das economias mundiais torna o sistema econômico nacional de cada estado do globo híbrido. Onde, tal qual ocorre com fatores formadores do SFI e as relações internacionais, os impactos são multilaterais. Lê-se: os eventos internos de um estado (por exemplo a modificação em sua taxa básica de juros) são modificadores e modificados da/pela conjuntura econômica internacional.
Dessa forma, o Sistema Financeiro Internacional visa, conforme Roberts (2000), “realizar os pagamentos correspondentes às transações efetuadas, prover unidade estável e estabelecer normas para pagamentos diferidos”. Contudo, ainda de acordo com Roberts, para garantir tais objetivos demanda certificar outras três condições: AJUSTE, LIQUIDEZ e CONFIANÇA no sistema.
Os mecanismos de ajuste são necessários em consequência de desequilíbrios nos Balanços de Pagamentos (BP) dos países. O déficit ou superávit de um país não acarreta instantaneamente um problema. Contudo, seguidos déficits podem vir a gerar uma situação não salutar, podendo levar a disfunções de escala global, devendo ser solucionados.[1]
A liquidez trata da garantia de disponibilidade de capital para realização e cumprimento de transferências internacionais (sem a qual criar-se-ia um grande bloqueio ao comércio internacional). E a confiança no sistema é demandada para o encorajamento das transações internacionais. Mais uma vez vale destacar a complexidade dessas condições, onde a alteração em uma leva a impactos nas outras. Por exemplo, a falta de liquidez mina a confiança no sistema, por sua vez a falta de confiança faz com que haja menor uso e maior retenção dos ativos (como forma de proteção) que, por consequência impacta a liquidez.
2.2. Câmbio
Uma das principais complexidades do comércio internacional, segundo Leite (2018), é que “faz-se necessária, na maioria das vezes, a interveniência de duas ou mais moedas”. Isto posto, se torna fundamental a existência de formas de conversibilidade de múltiplas moedas. Criam-se então os sistemas cambiais, métodos amplamente acordados de conversibilidade das moedas.
Leite (2018) aponta para a existência de diferentes tipos de sistemas de taxa de câmbio. Os sistemas de Taxas de Câmbio Automáticas (aqueles onde há taxas fixas de conversão), dividido em sistema de Taxas Fixas com Mercadoria-padrão e Sistemas com (n-1) Taxas de Câmbio. O sistema de Livre Flutuação Cambial e a União Monetária.
2.3. Mercado Cambial
Segundo Roberts (2000), o mercado cambial é composto por participantes que visam fazer hedge [2] sobre suas exposições em divisas, transferir poder de compra de um país para outro, fazer investimentos/aplicações [3] estrangeiro(a)s, ou especular [4]. Os players de maior relevância neste mercado são os bancos comerciais internacionais e as multinacionais (particularmente as de commodities, visto que tais mercadorias têm cotação internacional em dólar norte-americano, mas são comercializadas em mercados nacionais em moeda local).
3. DESENVOLVIMENTO
Abaixo, discorre-se mais sobre a evolução dos Sistemas Cambiais (seguindo sua ordem cronológica de adoção), explicitando como foram aplicados ao longo do tempo, as crises ocorridas em cada sistema, as eventuais desistências ao uso de cada sistema e as inovações que emergiram para adaptações dos players do SFI aos novos sistemas.
3.1. Sistema “automático” de taxas fixas com mercadoria padrão
O sistema de Taxas de Câmbio Automáticas recebe esse nome por gerar a possibilidade de conversão de valores de forma rápida, automática. É dividida em dois tipos. O primeiro é o sistema de taxas de câmbio fixas com “mercadoria-padrão”. Nesse caso a moeda recebe uma paridade relativa à uma mercadoria-padrão (a qual lastreia as moedas emitidas). O padrão-moeda-ouro e o padrão-barra-ouro, sistemas cambiais que vigoraram entre 1816 e 1933 são exemplos desse sistema. O fluxo de pagamento internacional nesse sistema é ilustrado abaixo.
- 1 Moeda A = X mercadoria-padrão
- 1 Moeda B = Y mercadoria-padrão
- Situação: importação de mercadoria pelo sistema que utiliza moeda A do sistema que utiliza moeda B (custo = 4.000Bs)
- Cálculo: 4.000Bs = 4.000Y mercadoria-padrão
- Importador converte seus As em 4.000Y de mercadoria-padrão (cálculo: (4.000Y/X).1A)
O sistema “padrão-ouro” veio a colapso devido à impossibilidade, com o tempo, de conversibilidade de diferentes moedas do mundo, em ouro, por seus respectivos estados. De acordo com Roberts, ao final da II Guerra Mundial os Estados Unidos detinham 70% do ouro das reservas mundiais.
O caso mostra uma grande fragilidade nesse sistema, visto que desequilíbrios nos balanços de pagamento levam à impraticabilidade da ideia que fundamenta todo o sistema (a possibilidade de conversão das moedas em uma quantidade predeterminada da mercadoria padrão). Minando as três condições, explicitadas anteriormente (ajuste, liquidez e confiança), demandadas para que o SFI atinja plenamente seus objetivos.
3.2. Sistema de “n-1” taxas de câmbio
O sistema de “n-1” Taxas de Câmbio é similar ao de câmbio de fixo com mercadoria padrão, tendo como principal diferença a dispensabilidade do lastro na mercadoria-padrão à “n-1” moedas (sendo “n” o número de moedas no sistema monetário global). O “n-ésimo” sistema mantém a necessidade de lastrear a emissão de sua moeda na mercadoria-padrão, fixando seu câmbio em relação a essa mercadoria. Os demais fixam os seus câmbios nessa “n-ésima” moeda. O fluxo de pagamento internacional nesse sistema é ilustrado abaixo.
- “n-ésima” moeda = K . mercadoria-padrão
- 1 Moeda A = X “n-ésima” moeda
- 1 Moeda B = Y “n-ésima” moeda
- Situação: importação de mercadoria em sistema que utiliza moeda A de sistema que utiliza moeda B (custo = 4.000Bs)
- Cálculo: 4.000Bs = 4.000Y “n-ésima” moeda
- Importador converte seus As em 4.000Y de “n-ésima” moeda (cálculo: (4.000Y/X).1A
O Sistema de Bretton Woods [5] (1944 a 1973) era um sistema com “n-1” taxas de câmbio, sendo o dólar americano a “n-ésima” moeda. Conforme apontado por Schlittler (1977), os câmbios nacionais em relação ao dólar podiam ter ajustes de ±1% por suas respectivas autoridades monetárias, visando o ajustamento quanto a desequilíbrios nos Balanços de Pagamentos (BPs). Vê-se que a adoção desse sistema pretendia contornar o problema da escassez do ouro, que originou a falta de lastro e a crise do sistema adotado anteriormente.
A solução trazida pelo novo Sistema permitiu que apenas um dos países (Estados Unidos) mantivesse a mercadoria-padrão (ouro em barras) em custódia, garantindo a conversibilidade de sua moeda nacional (dólar) em ouro, enquanto os demais países passariam a acumular suas Reservas Internacionais em dólar. Portanto, a confiança no lastro, valor e estabilidade de cada moeda era mantida (devido à conversibilidade fixa indireta em ouro de cada uma), excluindo-se o risco de falta de liquidez, e consequente quebra da confiança no sistema, relativamente à mercadoria padrão.
A adoção do dólar como moeda chave para a conversibilidade das demais moedas (associada ao fato de a economia americana ter sido a única a permanecer robusta no pós-guerra) ampliou sua dominância no comércio internacional, o que levou a múltiplas consequências, dentre elas destacamos o Plano Marshall [6] e a expansão do crédito privado e dos investimentos internacionais em dólar. Tais eventos econômicos, junto a aspectos políticos, como a guerra do Vietnã (que gerou grandes despesas internacionais aos Estados Unidos no final da década de 1960) “inundaram” o mercado internacional de dólares que, se por um lado ocasionaram sistemáticos déficits no Balanço de Pagamentos norte-americano, por outro, forneceram ampla liquidez internacional.
Com o tempo esses cenários corroeram as premissas para o sucesso desse novo SFI: os Estados Unidos deixaram de ser capazes de converter dólares pela quantidade preestabelecida de ouro (secando a liquidez do sistema e exaurindo sua confiabilidade) [7]. Ademais os ajustes exigidos (gerados pelos desequilíbrios nos BPs) não foram realizados pelas autoridades monetárias nacionais, principalmente por motivos políticos (para os deficitários, a desvalorização de suas moedas nacionais seria impopular) e por decisões míopes/individualistas (a valorização cambial, para os superavitários, diminuiria a competitividade de suas exportações).
Novamente, o acontecido mostrou falhas do Sistema Financeiro Internacional vigente, particularmente no que se refere à sua efetividade (para além da teoria). Isso porque a despeito dos mecanismos de ajuste propostos para a manutenção do sistema como um todo, há conflitos entre interesses das instituições componentes do sistema (sejam governos ou organizações privadas) e a aplicação tempestiva e rigorosa de tais ajustes.
3.3. Sistema de livre flutuação cambial
No sistema de livre flutuação cambial, as taxas de conversão são definidas pela oferta e demanda do mercado. Nesse sistema, a demanda pelo padrão monetário brasileiro (Real), por exemplo, por detentores de dólar norte-americano e a oferta de detentores de Real dispostos a realizar tal transação determinam o valor do câmbio. Com os crescentes dinamismo e eficiência do mercado (principalmente gerado pela evolução tecnológica aplicada ao setor financeiro) [8] o espaço para arbitragem das moedas vem se tornando cada vez menor, permitindo uma “conversão justa”, entre os mais diversos pares de moedas, a qualquer momento. O fluxo de pagamento internacional nesse sistema é ilustrado abaixo.
- Situação: importação de mercadoria por sistema que utiliza moeda A proveniente de sistema que utiliza moeda B (custo = 4.000Bs)
- Importador vai ao mercado e demanda 4.000Bs
- Ofertador de Bs (habitualmente, instituições financeiras privadas) oferece 4.000Bs pelo preço de XAs para cada B.
- Importador paga 4.000XAs para obter os 4.000Bs. [9]
O sistema cambial atual (vigente desde 1973) é um exemplo de sistema de livre flutuação cambial. Dadas as circunstâncias que levaram ao fim o sistema de Bretton Woods, após a adoção da livre flutuação do câmbio, o dólar sofreu forte desvalorização que impactou os mercados internacionais cotados na moeda, particularmente os de commodities , como o petróleo.[10]
De forma reativa, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) [11] elevou os preços do combustível fóssil, que chegou a quadruplicar, no último trimestre de 1974. Essa conjuntura tornou países exportadores da mercadoria superavitários e os importadores deficitários (em geral), em especial países de menor desenvolvimento econômico. Tais países passaram a demandar crédito para preservar um estado mínimo de vigor em suas economias. Essa demanda foi atendida através de coordenação do Fundo Monetário Internacional (FMI), com recursos dos países superavitários. Como consequência, os países menos desenvolvidos tiveram uma elevação de sua dívida em mais de cinco vezes entre 1973 e 1982.
Em paralelo ao efeito da decisão do cartel petrolífero, nos países desenvolvidos (além do superávit mencionado) ocorreu forte processo inflacionário, visto ser o petróleo um produto chave na economia (matéria-prima de combustíveis, energia, etc.). A elevação de seu preço gera reações em cadeia nos demais preços. A elevação dos preços em geral também teve como causa as baixas taxas básicas de juros (TBJ). E foi exatamente esse componente que as economias líderes passaram a utilizar para deter o fenômeno: houve um movimento de aumento das TBJ desses países, de acordo com a política econômica de cunho eminentemente monetarista adotada sobretudo pelos Estados Unidos, que ficou conhecida como “Reaganomics” (Ronald Reagan, então presidente recém empossado).
Os Estados Unidos praticamente dobraram sua taxa básica de juros (Prime Rate) entre 1978 e 1981. Em decorrência desse evento, os países periféricos viveram uma crise econômica sem precedentes: queda de suas exportações [12] ; aumento do custo de seus empréstimos (juros mais altos); redução da liquidez internacional (devido à migração do fluxo de capital para os Estados Unidos com sua elevada taxa de juros).
Todos esses episódios culminaram na crise da dívida (que tem como marco inicial o anúncio de moratória pelo México, alertando para o problema de inadimplência global). A crise foi solucionada por uma sequência de esforços e planos creditícios aos países deficitários, coordenados por diversas organizações: Banco para Compensações Internacionais (BIS), Fundo Monetário Internacional (FMI), Bancos Privados e Governos.
O contexto apresentado acima é um exemplo dentre muitos outros [13] que apontam para a necessidade de intervenção das autoridades monetárias, nacionais e supranacionais (Bancos Centrais e FMI, por exemplo), para o êxito do sistema cambial de livre flutuação. Intervenção que pode ser feita através de alterações nas taxas de juros nacionais, programas coordenados de ampla concessão de crédito, compra/oferta de moeda (criação de mais demanda/oferta), dentre outras intervenções. Isso porque a oferta e a demanda de uma moeda são determinadas em grande parte pelos fluxos de capital que, por sua vez, são usualmente determinados por um conjunto de agentes atuando em prol de benefícios próprios (bancos, aplicadores, especuladores).
Todavia, como ponderado anteriormente, o SFI é, e vem se tornando cada vez mais, um sistema complexo, híbrido, onde os impactos são multilaterais. Deste modo o benefício isolado de seus agentes no curto prazo pode vir a causar impactos negativos nos mesmos no longo prazo, pelo desencadeamento de questões prejudiciais ao sistema como um todo (e dessa forma, em todos/grande parte de seus agentes).
Ainda, conforme criticado por Roberts (2000), o mercado cambial global, muito devido ao seu processo de liberalização, vem tomando um tamanho colossal e, com isso, o poder de intervenção das mais diversas instituições nacionais e supranacionais avança de maneira inversamente proporcional (encolhendo vertiginosamente).
Roberts (2000) afirma que “o mercado cambial é um gorila de 500 quilos e a intervenção é uma coleira frágil. Quando o gorila sabe para onde quer ir, não adianta querer detê-lo”. Conforme será apresentado no tópico 3.5, esse pode ser o fator determinante para que ocorram mudanças no sistema atual.
O crescimento da parcela de mercado em poder das grandes empresas na maioria dos setores – tanto de forma orgânica (por questões de vantagens relacionadas à posse da maior parcela de mercado ou por desenvolvimento de competências internas) quanto, de maneira mais representativa, de forma inorgânica (via fusões e aquisições de outras empresas, principalmente concorrentes) – aliado à liberalização do comércio mundial, além da transição para o sistema de livre flutuação cambial, geraram: o crescimento do comércio internacional, dos grandes movimentos de capital, dos investimentos externos, além de maior uso do mercado para redução de exposição das empresas à volatilidade das taxas de câmbio.
Todas essas consequências geram uma maior demanda pelas transações de moedas, gerando ainda, maior liquidez a este mercado (o que atrai também um maior número de especuladores aumentando ainda mais o número de transações supracitado). Há assim, o crescimento do mercado cambial.
No mercado cambial existem diversos instrumentos que visam suprir as necessidades de seus constituintes. A princípio, destacam-se os mais tradicionais: à vista/spot; a termo, e swaps. O mais simples e intuitivo é o mercado à vista, que se resume na troca de uma moeda por outra moeda com entrega imediata.
No mercado a termo não são negociadas as moedas para troca imediata. São negociados os termos a serem considerados para uma troca futura: quais moedas envolvidas (exemplo: Real para Dólar), preços (cotação de câmbio a ser considerada na transação) e data de efetivação da entrega (uma data no futuro). Logo, os participantes se certificam que obterão as moedas que desejam, no preço acordado, independente das flutuações que venham a ocorrer no período entre o acordo e a data pré-estabelecida e não precisam ter as moedas no momento da efetivação do acordo, apenas na data pré-estabelecida.
O mercado de swaps caracteriza-se pela troca de risco. No caso do swap de câmbio há pelo menos uma parte da negociação demandando a eliminação do risco da variação do câmbio de uma moeda. Essa eliminação se dá pela troca (swap) do risco dessa variação por outro risco, por exemplo, o risco de não obter um retorno de x% da inflação.
Para ilustrar melhor: suponha que a empresa X tenha receita em dólares e despesas em Reais (é uma exportadora brasileira). Enquanto a empresa B tem suas despesas em dólares, mas receita em Reais e aplicações financeiras atreladas aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDI) [14] (é uma importadora brasileira). A empresa X pode temer o risco de variações negativas no dólar em relação ao Real na hora de assumir novas despesas (temendo a possibilidade de sua receita em dólares se tornar insuficiente para honrar as despesas tomadas em reais). Já a empresa B pode temer o risco de variações positivas no dólar em relação ao Real na hora de assumir novas despesas (temendo a possibilidade de sua receita em Reais se tornar insuficiente para honrar as despesas tomadas em dólares).
Dessa forma as duas empresas realizam um swap de seus riscos: a empresa X acorda em pagar à empresa B a variação cambial do dólar, caso ela seja maior que o CDI (o risco da variação do dólar é mitigado para ela, já que ela recebe em dólar). Enquanto a empresa B assume a responsabilidade de pagar à empresa X a variação de n% do CDI, caso ela seja maior que a variação do dólar (o risco dessa variação é mitigado para ela, pois recebe em Reais podendo realizar investimentos atrelados ao CDI).
Por último, destacam-se outros instrumentos derivativos. Assaf Neto (2012) define derivativos como “instrumentos financeiros que se originam (dependem) do valor de um outro ativo, tido como ativo de referência.”. Dessa forma, derivativos cambiais nada mais são do que instrumentos financeiros cujo preço deriva de um ativo atrelado à variação cambial. Por exemplo, os contratos futuros de dólar, cujo preço varia de acordo com a variação do preço do dólar no presente.
3.4. Sistema de união monetária
O sistema cambial de união monetária se traduz na adoção de uma moeda comum. Nesse sistema a conversão, bem como os mecanismos de ajuste entre os países participantes da união, deixam de ser um embaraço. A confiança passa a ser facilitada porque está concentrada na confiabilidade em uma única moeda e a liquidez passa a ser facilitada pela utilização da mesma moeda tanto no mercado nacional quanto no internacional.
A Zona do Euro, composta por estados membros da União Europeia, iniciada em 1999 com 11 países (hoje composta por 19 países) é um exemplo de sistema de união monetária. As limitações causadas por esse sistema se relacionam com a consequente restrição às ferramentas de política macroeconômica nacional dos países membros. Tais países perdem mecanismos relacionados à política cambial e à política monetária para solução de problemas domésticos de suas economias. Novamente o sistema pode ser inteiramente afetado por uma reação em cadeia iniciada com problemas em um único país-membro da União Aduaneira.
3.5. Cripto-economia
Roberts deixa sua análise para as finanças globais com críticas e dúvidas quanto ao papel do FMI e quanto à necessidade de maior ou menor liberalização das economias e fluxos de capital.
Ainda, mais recentemente, em 2016, artigo publicado na revista “Finance and Development” do próprio Fundo Monetário Internacional demonstrou que a política e o papel adotados pelo Organismo no passado (incentivando a liberalização dos mercados) passaram a ser criticados e debatidos dentro do próprio Fundo.
A preocupação que vigora desde no início da primeira década deste milênio se provou oportuna após a recessão mundial vivida a partir de 2008, originada no mercado de crédito imobiliário e seus derivativos nos Estados Unidos [15] e mundialmente potencializada devido às fortes confluências entre os mercados, tal como aponta Oreiro (2011) “A evaporação do crédito” resultou numa rápida e profunda queda da produção industrial e do comércio internacional em todo o mundo”.
A crash foi marcante e, conforme apontado em artigo da revista Forbes (2011), gerou a falência de inúmeros bancos e empresas, grandes e pequenas, dentre os quais pode-se destacar os casos das montadoras automotivas General Motors (GM) e Chrysler, e dos bancos Lehman Brothers, Citigroup e Washington Mutual.
Contudo, conforme apontado na mesma matéria,algumas dessas empresas conseguiram se reerguer através da entrada de novos investidores (casos do Citigroup e Chrysler) e outras, tais como a GM tiveram ajuda do governo, através de empréstimos de resgate estratosféricos. O governo norte-americano decidiu pela ajuda à gigante automotiva devido ao potencial catalizador de sua falência na crise econômica instaurada. [16]
O colapso supracitado marca uma crise não só financeira, mas também de confiança no sistema político e econômico. Em particular nas grandes instituições e na baixa transparência praticada pelas mesmas e, chegando até o governo, por ações tais como o apoio à GM, que apontam para um poder de certa impunidade e imunidade às grandes empresas, dado seu tamanho e a posição estratégica que acabam tendo dentro da manutenção de empregos e consequentemente de uma economia salutar.
Foi a partir dessa conjuntura, adicionada ao pujante desenvolvimento da integração computacional global ao longo da última década do século XX e início do século XXI que, em 2008, foi tornada pública matéria assinada sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto (até hoje sem autoria definida) dando origem ao “bitcoin” (BTC).
Nakamoto (2008) introduz sua solução para minorar as crises do Sistema Financeiro Internacional afirmando ser necessário adotar um sistema de pagamentos eletrônicos baseados em testes de criptografia, em vez de confiança, permitindo que duas partes transacionem diretamente, sem a necessidade de uma terceira parte confiável. Transações que são computacionalmente impossíveis de serem revertidas protegeriam os vendedores de fraude, assim como mecanismos de segurança poderiam ser facilmente implementados para proteção dos compradores.
Para viabilizar sua proposta, Nakamoto propõe a tecnologia Blockchain. Essa tecnologia consiste, a princípio, na reunião de informações, formando um bloco de informações e na instituição de “carimbos temporais” (“Timestamps”) aplicados nos blocos de tempos em tempos, dando “permissão” para o começo da formação de um novo bloco. Dessa forma é formada uma “cadeia de blocos” ou Block Chain.
No caso do bitcoin, as informações inseridas em cada bloco de sua cadeia de blocos, seriam transações. Cada transação é formada pelos seguintes elementos: código da transação, destinatário e valor da transação. Além de ser necessário o input de uma assinatura eletrônica (Private Key) pelo emitente. Se a mensagem na transação (formada pelos três elementos) é alterada, a private key é invalidada, os “nós” (usuários específicos melhores descritos adiante) detectam essa invalidação e rejeitam a transação alterada.
O código da transação faz referência ao bloco em que ocorreu a transação que deu origem à disponibilidade para a efetivação da transação corrente; a própria transação corrente; e, a(s) saída(s) da transação. [17]
Enquanto parte dos usuários do sistema apenas realiza suas transações, outra disponibiliza seu poder computacional e de energia à rede. Alguns desses usuários são chamados de “nós” da rede, pois são eles que viabilizam a interligação entre todos os usuários. Todos os “nós” têm acesso ao “livro-razão” (ledger) do sistema, ou seja, todos os “nós” têm acesso à todas as transações da rede bitcoin, desde o início da mesma (daí a denominação “livro-razão aberto", no inglês, open ledger). Os “nós” “recebem” a Blockchain atualizada (adicionada do último bloco, formado pelas transações mais recentes), armazenam e repassam apenas os válidos ignoram os inválidos.
A última classe de participante da rede é a de “mineradores”. Os mineradores são usuários que disponibilizam ainda mais poder computacional e energia ao funcionamento do sistema. São aqueles a “carimbar” um novo bloco com um timestamp. Esses carimbos são traduzidos em um código numérico, ou código verificador, o hash.
Esse código verificador é o output de um algoritmo matemático que tem como inputs as informações que estão sendo agrupadas (últimas transações realizadas no sistema); o hash do bloco anterior; um input critério (teto); e o número de vezes que o problema já tentou ser solucionado (nonce). O funcionamento de cada um desses elementos é melhor descrito abaixo:
- “Últimas transações realizadas”: evidentemente necessário para que o novo bloco seja fechado incluindo as novas transações.
- Hash do bloco anterior: ao incluir esse input a tecnologia garante que todo novo bloco só seja validado como pertencente a cadeia existente se “carregar” exatamente toda a informação dos blocos anteriores. Logo, devido à consideração desse componente o sistema gera a necessidade de alteração de todas as informações retroativas para que se faça a alteração de uma das as informações correntes.
- “Teto”: não é qualquer output gerado que soluciona o problema, visto que este deve obedecer ao critério de ser menor que teto (por exemplo: se o teto for 12.457.654 e ao solucionar o algoritmo um dos mineradores retornar o hash 19.907.348, devido ao fato do valor não respeitar, o teto ele é rejeitado).
- Nonce: ao considerar o número de tentativas já realizadas para geração do output o sistema garante que a cada nova tentativa todos os mineradores estejam em iguais condições (se considerarmos que a situação do exemplo dado anteriormente tivesse ocorrido na primeira tentativa de solucionar o problema, o valor 19.907.348 teria sido encontrado com base nas últimas transações realizadas, no hash do bloco anterior e no nonce “0” – visto que não haviam sido feitas quaisquer tentativas anteriormente. No momento seguinte todos os componentes se mantêm, menos o nonce, que passa a ser 1, mudando toda a solução e assim tirando qualquer vantagem do minerador que chegou próximo da solução).
Ao encontrar o código compatível com os dados supracitados, o “minerador” envia a resposta a todos os “nós” do sistema que, conforme explicado anteriormente, validam que todas as transações ali incluídas tinham outras transações garantindo disponibilidade para a mesma. Para que o bloco seja aceito, pelo menos 50% + 1 dos “nós” precisam aprová-lo.
Então o bloco é adicionado como último da cadeia e essa passa a ser a cadeia considerada pelo sistema para sua continuidade (portanto o hash que acaba de ser encontrado passa a ser o “hash do bloco anterior” e a cadeia válida é sempre a que achou o último bloco primeiro). A partir da inserção de cada novo bloco na cadeia são emitidos novos bitcoins, que são adicionados à carteira do “minerador” que encontrou o bloco [18]. Além disso, o “minerador” também é recompensado com pequenos percentuais de cada operação do bloco que ele encontrou.
Ainda, fazem-se necessários alguns apontamentos: os endereços do sistema (que aparecem como emissores ou remetentes das transações) são códigos que não fazem quaisquer referências ao indivíduo por trás da operação, garantindo a descentralização da informação sem a perda da privacidade; todo o processo entre o encontro de um novo bloco até o recebimento da recompensa pelo “minerador” (após a validação dos “nós”) ocorre em milésimos de segundos; como solução para impedir apenas uma corrida para mineração mais rápida de novos bitcoins a tecnologia se adapta ao aumento do poder computacional e do número de mineradores no mercado, aumentando/diminuindo a dificuldade do algoritmo para manter a descoberta de um novo bloco no tempo médio de 10 minutos; e como artifício para conter a inflação infinita da moeda (através da emissão infinita da moeda digital) o sistema foi programado desde o início com um número finito de moedas a serem emitidas, 21 milhões de moedas, além de possuir uma progressão decrescente do número de moedas distribuídas como recompensa ao longo do tempo (conforme apontado no gráfico 1).
Gráfico 1 – Processo de emissão de bitcoins através da recompensa pela “mineração” dos blocos.
Referência: http://rakeenbd.com/arbitrage-monero/multiple-bitcoin-miners-litecoin-block-reward/
Os esquemas 1 e 2 buscam representar, respectivamente: o funcionamento do sistema de acordo com a dinâmica entre seus participantes, e a geração de novos blocos.
Esquema 1 – O funcionamento do sistema de acordo com a dinâmica entre seus participantes. Esquema elaborado pelo autor com base no trabalho “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, Nakamoto (2008).
Esquema 2 – Fluxograma do processo da formação de um novo bloco.
Esquema elaborado pelo autor com base no trabalho “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, Nakamoto (2008).
Explanados os principais elementos, usuários e componentes do sistema, fica visível que a solução proposta por Satoshi Nakamoto busca viabilizar um Sistema Financeiro onde a confiança não precisa ser terceirizada; viabilizando como consequência a descentralização do sistema (as transações passam a ser Peer-to-Peer) que, por sua vez gera uma diluição de custos e poderes, barateando os custos transacionais; e, tudo de forma digitalizada, extremamente segura e auto-auditável.
A liquidez seria garantida pela possibilidade de fracionamento do bitcoin, que pode ser fracionado em até 0,00000001 BTC (denominada “satoshi”, em homenagem ao(s) criador(es) da moeda). O mecanismo de ajuste cambial seria dispensado, uma vez que todos os países poderiam adotar uma única moeda como meio de pagamento.
Contudo há inúmeras questões que impedem o avanço da adoção ampla de tal sistema.
Os governos nacionais abririam mão de importantes ferramentas de política econômica, tais como a política monetária e a política cambial, além de terem que adaptar suas políticas fiscais à nova ordem internacional. A perda de soberania das políticas econômicas nacionais é obstáculo de extrema relevância para a adoção de um novo Sistema Financeiro Internacional, visto que a abdicação em favor de um Sistema de Pagamentos independente poderia vir a causar fortes instabilidades às economias locais. Além do risco sistêmico, há risco legal/regulatório internacional, visto que organismos internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (The World Bank), devem limitar o avanço de um novo Sistema de Pagamentos Internacionais, privado e independente.
Ademais o próprio bitcoin, dentro de sua proposta, apresenta alguns problemas principalmente no que tange à sua escalabilidade: a plataforma da criptomoeda realizou, na sua melhor performance, aproximadamente 8 (oito) transações por segundo (conforme apontado pela Blockchain, empresa que fornece grande número de informações, produtos e serviços no mercado), enquanto a empresa VISA tem capacidade de realizar 65.000 (sessenta e cinco mil) transações por segundo, de acordo com material informativo divulgado pela própria empresa de cartões ou “dinheiro de plástico”.
Outra dificuldade para a adoção da moeda como meio de pagamento do dia-a-dia, deve-se à demora para confirmação das transações: o tempo médio da formação do novo bloco é de 10 minutos (ou seja: um “minerador” consegue encontrar o próximo bloco da cadeia, a partir dos inputs explicitados anteriormente e da solução do algoritmo, em média, a cada dez minutos). Enquanto a transação não for adicionada à Blockchain não há confirmação de que ela será realizada ou de que ela é válida. Dessa forma há uma deficiência para o uso deste Sistema de Pagamentos no dia-a-dia, pois usuários poderiam ter que esperar dez minutos ou mais até a confirmação da realização do pagamento (muito tempo comparado ao imediatismo do dinheiro físico e ao semi-imediatismo dos meios eletrônicos tradicionais – cartões de débito/crédito).
Contudo, novas moedas (popularmente nomeadas de altcoins) vêm sendo desenvolvidas a partir do bitcoin, buscando solucionar estes dois principais problemas, mas mantendo o uso da tecnologia Blockchain para assegurar suas redes, conforme apontado por Conley (2017).
Conley (2017) também destaca o fenômeno das ICOs (Initial Coin Offerings) [19] como veículos de captação de dinheiro e de investidores por parte de pequenas empresas. Conforme apontado por Roberts (2000), a captação de investimentos por empresas (particularmente via IPOs – Initial Public Offerings – nome dado ao processo de abertura de capital de uma empresa à bolsa de valores) é responsável por fluxos de capitais internacionais e, portanto, o mecanismo de ICOs também afeta tais fluxos. Sendo o fluxo de capitais internacionais um dos fatores que compõem a demanda/oferta por/de divisas estrangeiras (conforme apresentado anteriormente), e, portanto, sendo este um componente do Sistema Cambial, é possível observar outra forma de impacto destes novos instrumentos digitais ao SFI.
4. CONCLUSÃO
Com base no referencial levantado, conclui-se que o Sistema Financeiro Internacional (SFI) enfrentou grandes mudanças ao longo dos últimos anos, principalmente no que diz respeito ao sistema cambial adotado. Tais mudanças tiveram seu início em crises dos Sistemas até então correntes. Crises originadas por colapsos em um ou mais pilares para sua manutenção: AJUSTE, LIQUIDEZ e CONFIANÇA.
Cada um desses colapsos, por sua vez, foi criado por dificuldades de execução das teorias fundamentais do sistema (a exemplo da não execução, por parte de autoridades nacionais, dos ajustes necessários à manutenção do “sistema n-1” – padrão-dólar-ouro) e por alterações no cenário das relações político-econômicas globais (base de qualquer SFI), em relação ao momento de teorização do sistema, tornando a teoria incompatível com as práticas correntes (a exemplo do expressivo crescimento do comércio internacional de mercadorias e serviços e da liberalização do fluxo internacional de capitais, tornando impossível a manutenção do sistema de taxas fixas com mercadoria padrão ouro, direta ou indiretamente).
Este último motivo, em particular, apresenta um certo padrão, no que diz respeito à ampliação da liberalização do comércio internacional, além da facilitação do fluxo de capitais (em termos tecnológicos e regulatórios). À medida que as economias se entrelaçam, exigem maior adaptação do sistema financeiro.
Além disso, observa-se que há uma relação entre o surgimento de novos produtos e ferramentas financeiras e as mudanças supracitadas. As alterações no SFI terminam por gerar novas demandas e novas oportunidades aos players do mercado, seja de gestão de risco, de ampliação de liquidez, ou de forma de captação.
Conclui-se que o surgimento do bitcoin, como ferramenta de garantia de ajuste, liquidez e confiança, surgida exatamente em consequência de uma grande crise do sistema corrente, parece ser alternativa para evitar novas crises no Sistema Financeiro Internacional.
Nada obstante, considerando as limitações ainda existentes para sua ampla adoção, propõe-se que haja mais estudos na área, buscando compreender, com base nas configurações já adotadas anteriormente e com o estudo e mapeamento mais detalhado da atual conjuntura das relações econômico-financeiras internacionais, quais os possíveis impactos, positivos e negativos, da utilização no SFI de CRIPTOMOEDAS e de outras ferramentas financeiras baseadas na tecnologia Blockchain.
5. NOTAS
[1] Como exemplos, podemos destacar as crises financeiras dos anos 1990, onde os desequilíbrios no BP de países como México, Rússia e países do leste asiático geraram grandes impactos nas economias de grande parte das nações economicamente emergentes do mundo.
[2] Hedge são negociações (compra ou venda de ativos financeiros) que visam minimizar os riscos de uma outra transação/operação. O objetivo do agente econômico que realiza essas operações é se proteger contra as oscilações dos preços do(s) ativo(s) da operação principal. No mercado cambial isso pode ser representado com o seguinte exemplo: um importador da commodity A, cotada internacionalmente em n dólares, pode comprar esses n dólares com sua moeda local muito antes da execução da transação, como forma de se prevenir de uma possível valorização do dólar (o que faria com que o preço da importação, na sua moeda local, ficasse mais caro).
[3] É válido salientar a diferença entre investimento e aplicação. De acordo com Leite (2018), aplicações são operações meramente financeiras que não geram impactos diretos na economia real (como os produtos de renda fixa, o mercado secundário de ações, etc.). Ainda conforme o economista, investimentos são operações que geram impactos, isto é, têm efeitos multiplicadores, elevam o produto, a renda nacional (a exemplo de investimentos em máquinas e equipamentos; na abertura de uma nova empresa; investimentos em infraestrutura, tais como saneamento, estradas de rodagem; colégios, universidades, etc.).
[4] Tal como em qualquer mercado, o mercado financeiro (em seus múltiplos segmentos) atrai partícipes oportunistas que visam lucrar com variações nos preços dos ativos sem se importar com os fundamentos de tais movimentações e sem outras intenções que não a compra/venda para subsequente operação inversa com o mesmo ativo (exemplo: agente econômico que compra US$ 1.000,00 à taxa cambial de R$3,00=US$1,00 esperando que a moeda se valorize, chegando, a título de exercício, à R$3,5, para com sua venda lucrar R$500,00).
[5] O Sistema foi criado após série de reuniões em New Hampshire, EUA (no Hotel Bretton Woods), em 1944. A conferência foi realizada visando elaborar um esforço coordenado de múltiplas nações para recuperar as economias pós Segunda Guerra (em particular as economias europeias) e para impedir que houvesse repetição do evento do Crash de 1929 e de suas consequências à economia global.
A conferência também marcou a criação do FMI e do Banco Mundial.
O primeiro foi criado com intuito de estimular o comércio mundial e o crescimento econômico por meio da regulação, da promoção de estabilidade e da cooperação para as questões monetárias internacionais. Além de buscar a estabilização do câmbio estabelecido em Bretton Woods. A instituição busca o alcance de tais objetivos por meio da atuação de vigilância, assistência financeira e assistência técnica às economias globais.
O segundo visa fomentar o crescimento e desenvolvimento econômico global, focando no suporte à países subdesenvolvidos/em desenvolvimento. Atua como credor à esses países, praticando juros mais baixos. Capta capital por meio da emissão de títulos no mercado internacional.
[6] O Plano Marshall foi outra medida realizada com o objetivo de recuperar a Europa pós II Guerra. As nações europeias estavam devastadas e precisavam importar a grande maioria dos bens necessários às suas reconstruções. Os Estados Unidos eram a única economia capaz de suprir tal demanda, contudo os países europeus não possuíam divisas em dólar suficientes para arcar com as obrigações que seriam originadas. Então, o governo americano decidiu realizar um plano amplo de crédito em dólares aos países do velho continente (totalizando 14 bilhões de dólares).
[7] Nesse contexto vale ressaltar que além da grande oferta de dólar no mundo, a falta de liquidez das reservas de ouro americanas para honrar conversibilidades em dólar também foram prejudicadas por ataques políticos/especulativos de outras economias, que passaram a requisitar conversões em ouro de suas reservas internacionais lastreadas dólares, aumentando assim a demanda pelo metal e acelerando o processo de desvalorização da moeda americana no cenário global até sua total inconversibilidade em ouro, em 1973.
[8] Dentre as inovações presentes no mercado financeiro moderno destacamos o uso de robôs para execução de operações. Tal uso permite que um arbitrador consiga capturar um diferencial de preço em questões de segundos (ou até menos). Dessa forma os preços são reajustados rapidamente.
[9] É válido destacar que boa parte das transações internacionais são realizadas em dólar-norte americano. Isso ocorre pelo tamanho do mercado da moeda americana (número de compradores e vendedores) que é muito maior que os das demais moedas para a grande maioria dos pares internacionais. Dessa forma, é mais fácil, mais seguro/estável (quanto menor o número de negociadores em um mercado, maior o poder de definição de preço de cada agente e dessa forma o potencial de especulação e volatilidade do mercado) e, muitas vezes, mais barato executar a conversão da moeda para dólar do que para outras moedas.
[10] Commodities são produtos que funcionam como matéria-prima, produzidos em escala e que podem ser estocados sem perda de qualidade. Desta forma seu preço é determinado pelo mercado mundial como uma consequência da oferta e demanda, e não pela empresa que a produz, uma vez que sua “marca” não importa tanto. Alguns exemplos são: petróleo, suco de laranja congelado, boi gordo, café, soja e ouro.
[11] Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP): cartel do mercado petrolífero, criado em 1960 visando coordenar de maneira centralizada a política petrolífera dos países membros. Inicialmente possuía 5 membros, atualmente é composta por 17 países: África (7), Oriente Médio (6), América do Sul (3) e Ásia/Oceania (1).
[12] Exceto o Brasil que se encontrava colhendo os frutos de dois Programas Nacionais de Desenvolvimento Econômico consecutivos (PND I e PND 2), fato que lhe permitiu obter expressivos superávits na Balança Comercial.
[13] Sendo os de maior destaque as crises do México e da Ásia nos anos 1990, com impactos de escala global, em particular ao Brasil que chegou próximo à solicitação de moratória da dívida externa, evitada por socorros do FMI. Mais recentemente as crises relacionadas ao colapso financeiro global de 2008, com destaque para crises de países europeus (como Grécia, Portugal, Espanha e Itália).
[14] CDI (Certificados de Depósito Interbancário) são títulos emitidos por instituições financeiras que lastreiam as operações do mercado interbancário (na prática são títulos representativos de empréstimos de curtíssimo prazo entre instituições financeiras). A taxa média diária cobrada nesses empréstimos (também nomeada CDI) é muito utilizada como parâmetro na referência de rentabilidade de investimentos e aplicações financeiras (por ser vista como um bom referencial do custo do dinheiro no momento).
[15] Conforme apontado por Mankiw (2016), a crise financeira de 2008/2009 teve como um dos principais pilares a elevação constante e especulativa do mercado imobiliário americano.
Tal elevação passou a permitir que pessoas usassem um mesmo imóvel como garantia de múltiplos empréstimos. Para exemplificar: a pessoa tomava um empréstimo de 200 mil garantido pelo seu imóvel – muitas vezes para obter o mesmo. Com o passar do tempo, antes do pagamento total do primeiro empréstimo, o imóvel apresentava valorização, por exemplo, de 50%, valendo, então 300 mil. O devedor tomava novo empréstimo, quitando o anterior, e passando a ter nova dívida, maior.
Junto a isso, os bancos passaram a derivar, dos títulos de dívida, novos títulos. Por exemplo: o banco emprestava 200 mil a uma pessoa, com juros de 20%, a serem pagos ao final de 10 anos. Ao invés de aguardar o vencimento do empréstimo para obter o ganho financeiro, o banco vendia seu empréstimo para outra instituição financeira por 200 mil mais 5% um ano depois, vendendo assim um investimento de retorno de 14,28% em 9 anos ao comprador (em outras palavras: criava um ativo financeiro derivado do primeiro – o título da dívida – e o comercializava). Ainda, a instituição financeira compradora podia fazer a mesma coisa com seu título de 14,28%, criando outro papel lastreado pelo mesmo, com rendimento de digamos, 10%. Não obstante, as instituições passaram a criar títulos derivados de mais de um desses títulos.
O cenário resultante foram títulos (chamados de subprimes – por isso a nomeação “crise dos subprimes”) lastreados em uma cadeia gigantesca de rendimentos interdependentes, que por sua vez eram lastreados, em última instância, por empréstimos que só tinham garantia de retorno com base na elevação do preço dos imóveis, visto que muitos tomadores não tinham condições de honrar sua elevadas dívidas se o mesmo não ocorresse.
Com o começo da desvalorização dos imóveis, impossibilitando a tomada de novos empréstimos para que os devedores honrassem os anteriores, a inadimplência elevou-se fulminantemente, gerando uma reação dominó e um total colapso do sistema financeiro americano, secando o mercado de crédito ainda mais e levando a uma crise econômica geral.
[16] De acordo com matéria publicada pelo jornal The Economist, a empresa possuía mais de 90 mil empregados dentro dos Estados Unidos na época (além de outras 140 mil pelo resto do mundo), além de prover os benefícios de plano saúde e pensão para outros quase 500 mil trabalhadores aposentados.
[17] Como a tecnologia faz o rastreio das transações (não do saldo histórico), para saídas que utilizem apenas parte da disponibilidade gerada por uma transação anterior (T0) são geradas duas saídas: uma com o valor que se deseja transferir (T1) e outra com o valor não utilizado (T2), sendo transferido para a própria pessoa. A partir desse momento a transação que passa a ser acompanhada em termos de verificação de disponibilidade do emitente da última transação, passa a ser “T2”. Exemplo:
- T0: eu envio 10 “dinheiros” ($) a João*
- João tenciona enviar 5$ a Júlio
- O sistema verifica se nas últimas transações de João há alguma transação enviada a João que não tenha sido usada como referência para uma transação realizada por João. Identifica assim que T0 dá disponibilidade de 10$ a João
- T1: João envia 5$ a Júlio
- T2: automaticamente o sistema envia o restante da disponibilidade de T0 ao próprio João
- T2 passa a ser a última transação de acompanhamento para disponibilidade de João (T0 não é mais consultada)
Dessa forma, após ser usada como referência para uma transação, a transação é marcada como já utilizada e não pode mais ser referenciada em outras transações.
* Os 10 que eu envio podem ter sido adquiridos ou pelo envio de um terceiro à minha carteira (então estaria acontecendo uma lógica similar à do exemplo, sendo a minha transferência para João similar à transferência T1 do exemplo). Ou adquiridos como recompensa pela “mineração” de um bloco (processo que é explicitado mais adiante neste trabalho), entrando na minha carteira também como uma transferência, contudo sem remetente.
[18] Por isso a denominação de “mineradores” a esses usuários, fazendo alusão aos mineradores de ouro no processo de encontrar o metal precioso que, de acordo com o apresentado previamente, foi, por muito tempo, lastro direto ou indireto ao sistema financeiro internacional.
[19] Diferente das IPOs, o processo representa o lançamento de um token (ativo digital) da empresa ao mercado. O ativo pode ser de diversas classes, conforme destacado por Conley (2017). Podem ser representações de securities, moedas, ou outros, como utilitários e produtos, conforme melhor explicado por Burniske (2018). Além disso diferem-se das IPOs pela “democratização” do investimento, possibilitando a participação de pequenos investidores de todo o mundo do processo de captação.
As empresas realizam ICOs como forma de captação de dinheiro para viabilização de seus projetos. Em retorno ao investimento oferecem os tokens, cuja utilidade/objetivo varia de projeto para projeto. De maneira geral tais tokens apresentam possibilidade de valorização com o sucesso do projeto e/ou da empresa. Até a data da edição desse trabalho já foram realizados mais de 2.000 ICOs.
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Disponível em: https://www.forbes.com/sites/steveschaefer/2011/08/10/the-great-recessions-biggest-bankruptcies-where-are-they-now/#168de9b74b7e. Acesso em: 23 Nov 2018
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