sábado, 29 de abril de 2017

A REESTRUTURAÇÃO DOS BANCOS FEDERAIS: MOTIVOS E IMPACTOS


NOVE MIL! Esse, parece, foi o número de funcionários "convidados" a aderir ao Programa de Demissão Voluntária - PDV, somente no Banco do Brasil.

Como cliente, não fiquei satisfeito com a novíssima tecnologia bancária adotada pelo BB (embora seja admirador e grande usuário das novas tecnologias de informação). Menos satisfeito ainda pelas rôtas justificativas apresentadas. 

Como brasileiro, fiquei indignado. É a repetição do que eu havia presenciado em 1990, quando do início do governo Collor e seu Partido da Reconstrução Nacional - PRN, que colocaram tudo abaixo para dar passagem a um modelo de política econômica neoliberal. 

Dou asas à minha indignação reproduzindo o artigo abaixo, publicado no Jornal dos Economistas, cuja edição de março discute, em textos de vários autores, o atual processo de desmonte do Estado brasileiro.


Desmonte do Estado – Jornal dos Economistas – março de 2017

A REESTRUTURAÇÃO DOS BANCOS FEDERAIS: MOTIVOS E IMPACTOS
Regina Camargos*

Desde o ano passado, está em curso nos dois grandes bancos federais – Banco do Brasil e Caixa – um amplo processo de reestruturação que implicará o redimensionamento de sua estrutura de atendimento e de pessoal.

A justificativa apresentada por essas instituições ­ financeiras para se reestruturarem é adequar a rede física e o quadro de pessoal às mudanças no comportamento do consumidor bancário e no relacionamento entre clientes e bancos, decorrentes da “revolução digital” em curso no sistema ­ financeiro do país.

De fato, estão ocorrendo rápidas e intensas mudanças tecnológicas no setor bancário brasileiro. Dados divulgados na Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária mostram que o número de contas correntes que realizam operações por smartphones saltou de 2 para 33 milhões entre 2011 e 2015. Essa modalidade de autoatendimento se incorporou à rotina dos clientes bancários, especialmente nas grandes cidades, a despeito dos elevados valores dos aparelhos de telefone celular e planos de internet. Em face disso, seria impossível a um grande banco de varejo realizar suas operações sem incorporar as inovações tecnológicas que surgem e se alteram cada vez mais rapidamente.

Entretanto, há outra razão para explicar a reestruturação em curso nos bancos federais, relacionada à orientação da política econômica do atual governo, baseada, entre outras medidas, na redução do papel do Estado, inclusive de seus bancos.

Banco do Brasil e Caixa – juntamente com o BNDES – foram cruciais para a expressiva expansão do crédito às famílias e empresas na última década, sendo este um dos motores do crescimento experimentado entre 2004 e 2010.

Em 2009, esses bancos evitaram o agravamento dos reflexos da crise internacional no país, pois mantiveram a oferta de crédito num momento de forte recuo dos bancos privados. Com essa atuação mais ousada, houve forte expansão da base de clientes do Banco do Brasil e da Caixa e para atender à expansão dos seus negócios, esses bancos voltaram a contratar e ampliaram suas estruturas de atendimento.

A reversão da política econômica iniciada logo após a reeleição da ex-presidente Dilma Roussef, cujos focos passaram a ser o ajuste ­ fiscal e o combate à inflação, por meio de forte controle da demanda agregada via elevação dos juros e restrição ao crédito, colocou em xeque aquela estratégia de atuação dos bancos federais.

As recentes propostas veiculadas na mídia por membros da atual equipe econômica sobre a possível extinção do crédito direcionado, de equalização entre a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e a Selic, de aumento da taxa de juros para os mutuários do programa Minha Casa Minha Vida e de concessão das atividades das lotéricas à iniciativa privada, por exemplo, aliadas aos planos de reestruturação anunciados pela Caixa e pelo Banco do Brasil (grifo nosso) indicam, claramente, a mudança de rumo em relação à atuação dos bancos federais.

Portanto, a necessidade de adoção de novos paradigmas tecnológicos explica em parte os processos de reestruturação implementados pelo Banco do Brasil e pela Caixa. A reestruturação poderia ser feita preservando-se a atuação anticíclica desses bancos, que seria fundamental no atual cenário recessivo. As novas tecnologias, inclusive, poderiam dinamizar essa atuação, pois permitem realizar as operações de crédito de forma muito mais rápida e segura para os bancos e os clientes.

Os processos de reestruturação nos bancos federais terão impactos sobre a clientela e o funcionalismo.

Para o funcionalismo, não há garantias de que a reestruturação não implicará transferências indesejadas de locais de trabalho e de funções. Já em relação aos planos de desligamentos e aposentadoria incentivados, a experiência da década de 90 mostrou que eles se tornaram uma fonte de pressão e sobrecarga de trabalho para aqueles que permaneceram no banco.

Por outro lado, para aqueles que aderirem aos desligamentos incentivados, as atuais perspectivas do mercado de trabalho são pouco promissoras diante da forte recessão econômica e das restrições impostas pela Emenda Constitucional 55, que estabeleceu limites rígidos ao gasto público, portanto, à realização de novos concursos e mesmo à contratação de aprovados em concursos recentes.

Também não está descartada a possibilidade de uma forte contenção salarial ­ findo o prazo da Convenção Coletiva de Trabalho dos bancários, em 31/08/2018, caso permaneça a atual política de contenção do papel dos bancos públicos, limitando-o aos padrões conservadores dos bancos privados.

Por fim, o encolhimento da rede de atendimento física, os altos custos do atendimento digital, decorrentes dos valores de planos de internet e smartphones, a forte restrição ao crédito e as elevadas taxas de juros irão penalizar os clientes de mais baixa renda e elitizar ainda mais o atendimento bancário no país.

Em suma, a natureza da reestruturação em curso nos bancos federais é semelhante à ocorrida nos anos 90, que tantos danos causou aos seus empregados e à sociedade.


* É economista do Dieese na Contraf-CUT