Divulgo esse artigo de autoria do Professor Bulhões,
publicado na Revista Legenda, há mais de trinta anos (março de 1980), como
contribuição ao estudo dos novos (e velhos) “analistas” e “policy makers” brasileiros que insistem em interpretar o lucro do
investimento como usurpação da renda do trabalho e que, por isso, deve ser
penalizado através da tributação, incentivam o consumo, desprezam a poupança,
ignoram que o investimento é variável fundamental para o crescimento econômico,
dado o efeito multiplicador que exerce sobre o emprego e a renda.
LUCRO, INVESTIMENTO E POUPANÇA
Octavio Gouvêa de Bulhões*
**
Dentro
da era cristã, somente nos dois últimos séculos é que ocorre a etapa dos
investimentos sistemáticos.
Daí a
dificuldade em compreender o lucro como renda adicionada ao conjunto da renda
da coletividade: um lucro global, que se origina do progresso técnico e
aproveita ao maior número. Essa dificuldade faz com que persista a idéia do
lucro-confisco, como transferência de renda, a favor de uns e contra outros.
Os países que progridem são aqueles cuja população
se dedica ao trabalho árduo e inteligente. Árduo porque não esmorece ante a
presença de obstáculos; inteligente porque é capaz de remover obstáculos.
O trabalho inteligente resulta de estudo, pesquisa,
experiência, meditação. As improvisações condenam ao desperdício, inutilizam o
esforço despendido. Mas o bom aproveitamento do trabalho, por intermédio da
contribuição científica, não dispensa a pertinácia em produzir e acumular. Os
países que progridem são os que elevam a renda nacional por meio de repetidos e
crescentes investimentos.
Para exemplificar, compare-se a contabilidade
nacional da Grã Bretanha e do Japão, no período 1950/65. Esses dois países
necessitavam de séria recuperação econômica, depois dos enormes prejuízos
sofridos com a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, preocupava-se a Grã Bretanha
com os problemas da distribuição de renda, enquanto, no Japão, a atenção estava
precipuamente voltada para a produção e a produtividade. Naqueles quinze anos,
a Grã Bretanha destinou pouco do acréscimo do produto nacional aos
investimentos: em média, 16% para investimento e 84% para consumo. No mesmo
período, no Japão, as médias registradas foram 30% e 70%, respectivamente.
A diferença de tais proporções explica por que o
Japão acusou uma taxa de crescimento anual de seu produto da ordem de 9%, entre
1950 e 1965, ao passo que, na Grã Bretanha, a taxa de aumento foi de apenas 3%.
A diferença de tais proporções explica também por que o nível de consumo aumentou,
na Grã Bretanha, no período indicado, de 40%, enquanto que, no Japão, o aumento
foi de 150%.
No Brasil, seria possível investir mais e com
melhores resultados. É preciso insistir nesse ponto. Descende-se, aqui, de um
povo que soube aproveitar o mercantilismo; e, do mercantilismo, o brasileiro
herdou qualidades e defeitos. Torna-se imprescindível persistir na eliminação
dos defeitos, possibilitando a este país progresso rápido. Para tanto, cumpre
combater, de início, a forte inclinação ao lucro decorrente da elevação de
preços, de preferência ao lucro originado do aumento da quantidade ou da
melhoria da qualidade do produto. No Webster,
considera-se a palavra valorization
neologismo brasileiro, em circulação, no mundo, desde que se pôs em prática a
política de “valorização do café”.
Caracteristicamente, os comerciantes de produtos
agrícolas, os denominados “atravessadores”, estão convencidos de que mais vale inutilizar a produção do que aumentar a
oferta dos produtos. O ideal do “atravessador” seria o transporte do ouro,
tarefa bem menos complexa do que a de transportar crescentes toneladas de bens
perecíveis, de diminuto valor por unidade transportada.
O lucro oriundo da escassez independe da técnica
produtiva. É lucro alheio ao investimento e, conseqüentemente, alheio à
poupança. A despreocupação em poupar facilita o desperdício e induz à
ostentação do consumo. Forma um quadro social que revolta e leva facilmente à
suposição de ser a desigualdade da riqueza a causa da pobreza.
OBSERVAÇÕES HISTÓRICAS
Há dois séculos, o acréscimo da produção dependia
mais de ocorrências fortuitas do que da melhoria sistemática do processo
produtivo. Nesse ambiente de produtividade diminuta, reinava a convicção de que
o acréscimo da renda de uns implicava no decréscimo da renda de outros.
Durante a Idade Média, a ética imposta pela religião
incumbiu-se de moderar a ganância e reprimir a especulação. Isto constituiu um
marco de orientação econômica, numa economia que dispunha de escassos meios
produtivos. Mas à medida que o comércio se intensificava, com o desenvolvimento
do mercantilismo, a disciplina religiosa perdia eficácia. O mercantilismo
ampliara a área do comércio e dera início à industrialização – sem chegar
contudo a minorar a escassez. Havia
espírito empresarial; estupenda era a coragem dos navegantes; notável, a
intuição financeira que se imprimia aos empreendimentos; indiscutível, a
maestria nas artes e nos ofícios. Todavia desconhecia-se a técnica do aumento
da capacidade produtiva. Ignorava-se o processo de produção em massa para o
consumo em massa. Não se vislumbrava a lucratividade pela expansão econômica.
Ao contrário, as limitações eram a garantia do êxito dos empreendimentos. Os
comerciantes dedicados ao transporte marítimo empenhavam-se na preservação dos
monopólios; e os industriais, em cada país, pleiteavam a proibição das
exportações de matérias-primas e o impedimento das importações dos produtos
manufaturados, entregando-se, simultaneamente, à operação pecuniária de
baratear a compra e encarecer a venda.
Quando Adam Smith, lançando as bases da economia
relacionada com a revolução industrial, pleiteou a liberdade de comércio e de
consumo, condenando as interferências estatais do mercantilismo, moveu-o o
propósito de demonstrar como se pode contribuir para o bem-estar social com a
expansão do processo produtivo.
Dado o fato de requerer o mercantilismo dose maior
de capital do que se requeria anteriormente, de maneira particular para o
financiamento das expedições marítimas, os historiadores incorporaram o
mercantilismo no âmbito da produção capitalista. Mas o capitalismo da revolução
industrial é muito diferente do capitalismo da era mercantilista. O próprio
Adam Smith acentuou essa diferença, ao advertir que a produção não poderia
sujeitar-se aos privilégios mercantilistas que asseguravam aos produtores
lucros resultantes da imposição de preços baixos aos fornecedores de
matérias-primas e de preços altos aos compradores do produto acabado: “O
consumo é a finalidade e o único propósito da produção; o interesse do produtor
deve estar subordinado ao interesse do consumidor”. Depois: “Mas no sistema
mercantilista o interesse do consumidor é constantemente sacrificado, em
benefício do produtor; considera-se a produção e não o consumo a finalidade da
indústria e do comércio”. (Cfr. Wealth of
Nations, Livro IV, capítulo VIII)
Adam Smith apelou para a liberdade de produzir
porque tinha em vista uma produção cuja lucratividade repousaria na eficiência
e não em artifícios pecuniários. Tivessem alguns historiadores prestado mais
atenção ao aspecto técnico do processo produtivo e, provavelmente, o
capitalismo seria menos discutido em face do catolicismo e do protestantismo.
Afinal, como conclui Amintore Fanfani, “tendo presente que na Espanha não
existia a preocupação de realizar-se metodicamente a racionalização mais
adequada da técnica econômica e que, apesar de possuir a Itália um agudo
espírito inventivo, poucos louros alcançou no campo das aplicações industriais,
não é difícil concluir que os países latinos foram prejudicados pelo seu
progresso técnico mais lento, enquanto, entre os países nórdicos, a Grã
Bretanha colheu os melhores frutos da racionalização sistemática, sobretudo
porque soube orientar a tempo seus esforços para a produção em massa”.
Havia no mercantilismo o espírito empresarial; e
também o recurso à tomada de capitais para realizar empreendimentos. Mas esse
capitalismo esteve longe de abranger o aumento da produção pelo acréscimo
proporcionado pela eficiência. O custo decrescente da produção foi, naquele
tempo, incipiente; e a idéia de lucros relacionada com o acréscimo da
produtividade passou despercebida. O lucro subordinava-se à valorização ou à
desvalorização do produto. Não se pressupunha o lucro baseado no acréscimo da
quantidade, em decorrência do aperfeiçoamento da produção. O lucro do
investimento, como soma adicional de renda, capaz de favorecer simultaneamente
produtores e consumidores, capital e trabalho, somente veio a ser compreendido
no século XX, embora no curso do século anterior os investimentos já fossem
notórios, com reflexos apreciáveis sobre os preços dos produtos. Mas tão grande
era o afluxo do trabalho durante a revolução industrial na Grã Bretanha que os
economistas da época tiveram a impressão de que o salário se resumia em
assegurar a manutenção do operário. O salário seria equivalente ao mínimo de
subsistência. Como entretanto o lucro aumentasse à medida que se expandia a
produção, Karl Marx foi induzido a concluir que o lucro seria a soma que não se
pagava ao assalariado.
A própria escola austríaca deixou-se enredar por
argumento que subordinavam o lucro à redução de pagamento aos fatores de
produção. Böhm-Bawerk explicou que os indivíduos dão mais valor aos bens
presentes do que aos bens futuros, motivo por que o preço dos produtos acabados
alcançava nível mais elevado do que o preço dos fatores. Daí o lucro alcançado
pelos proprietários dos meios de produção.
De qualquer maneira, pela explicação do confisco ou do deságio, o lucro resultava de dedução do pagamento aos fatores de
produção.
O clima de egoísmo que sempre existiu, recrudescendo
de modo impressionante no século XIX, pela ausência de instituições que
substituíssem o sistema de imposição da ética que prevalecia no princípio da
Idade Média, enraizou na opinião pública a idéia do lucro-confisco. Os documentos de então refletiam esse estado de
espírito, o que explica a atitude de oposição à empresa particular, como
testemunham duas peças de grande repercussão, procedentes de fontes
diametralmente opostas: o Manifesto Comunista, de 1848, e a Encíclica Rerum Novaru, de 1891. Ambos se opõem
nas premissas e nas conclusões, mas comungam no falso pressuposto de que o
lucro decorre do confisco da remuneração do trabalho.
Sem contar o passado mais remoto, cabe lembrar que a
partir do começo da era cristã, no total de vinte séculos, apenas nos dois
últimos é que se registra uma fase de investimentos sistemáticos. Não é de
estranhar, assim, a dificuldade em compreender o lucro como renda adicionada ao
conjunto da renda da coletividade. Persiste a idéia do lucro de transferência
de renda, a favor de uns e contra outros. A mentalidade de dezoito séculos
completos e vinte séculos incompletos não pode deixar de trazer preconceitos,
que remontam o passado econômico profundamente diferente da era dos
investimentos. É natural que a idéia enraizada do lucro-confisco, do lucro que pode advir dos outros, dificulte a
compreensão do lucro originado do progresso técnico – um lucro global que, na
verdade, aproveita ao maior número.
A confusão dos lucros de caráter pecuniário –
decorrentes da transferência de renda – com os lucros originados do acréscimo
de renda dos investimentos traz, como conseqüência, a criação de um clima
prejudicial ao desenvolvimento econômico. Cria antagonismos, levanta obstáculos
à iniciativa empresarial; e, por não permitir que se separe o joio do trigo, é
nociva até mesmo na economia socialista, na qual a integral eliminação do lucro
acarreta dificuldades de consistência ao equilíbrio entre a procura e a oferta
de bens de consumo.
Em qualquer regime econômico, da Idade Média ao
capitalismo, liberal ou comunista, os fatores de produção se diferenciam de
acordo com seu grau de escassez. Há menos engenheiros do que operários
qualificados e menos operários qualificados do que trabalhadores de
conhecimentos rudimentares. E dentre os engenheiros e operários qualificados há
os que revelam maior capacidade de discernimento. Essa graduação é inevitável e
acaba por refletir-se na diferenciação das remunerações. Costuma-se dizer que
quem mais se destaca aufere o salário comum e mais uma renda. É a renda própria da peculiaridade da situação dos que
trabalham melhor.
Não há, nesse quadro de escassez de serviços, uma
transferência de renda, em favor de uns e em detrimento de outros. Porque
aqueles que recebem mais são os que, de fato, contribuem mais para o bem comum.
E, precisamente porque auferem mais, estão eles em condições de consumir e de
poupar. Estão em condições de capitalizar a renda, em benefício próprio e em
benefício da coletividade.
O regime liberal de reconhecimento da capitalização
possibilita maior equilíbrio do mercado, como supôs Adam Smith. O que faltou,
no receituário smithiano, foi a fórmula para corrigir a persistência na
especulação, condenada pelo próprio Adam Smith, quando criticou as manobras
altistas ou baixistas do mercantilismo.
Reconhecida a lacuna no roteiro da conduta
econômica, surgiram tentativas de novos sinais de orientação, conducentes,
todos eles, a falsas trilhas, porque em vez de completarem o que estava
incompleto agravaram o erro que dependia de correção. Karl Marx, que soube
compreender o extraordinário avanço da expansão econômica, considerou o lucro
de um ponto de vista retrógrado. Contemplou, admirado, o panorama do progresso,
mas regrediu, em suas reflexões, para o lucro-confisco.
Nivelou o valor do produto aos valores componentes da produção, o que o impediu
de reconhecer a formação de uma receita adicional. Ao fixar sua análise,
tornou-a incompatível com o desenvolvimento. Incompatível pelo simples motivo
de o desenvolvimento exigir sua compreensão na
seqüência de escalas da produção e não no limite de uma escala de produção.
Para
passar de uma escala de produção menos eficiente para outra, mais eficiente,
impõe-se o investimento, que contém inovações capazes de aumentar a
produtividade – e é do acréscimo da produtividade que emerge o lucro.
O lucro
advém do investimento e não da diferença de valores verificada em determinada
escala, entre produto e meios de produção. O lucro deflui de nova função de
produção.
O LUCRO DO INVESTIMENTO
Enquanto
os economistas não se lembraram de distinguir a produção indireta da produção
direta, a compreensão do investimento manteve-se na mais densa nebulosidade.
Graças à engenhosa exposição de Böhm-Bawerk, o investimento tornou-se
inteligível. Böhm-Bawerk é o fundador da escola austríaca, que se distingue por
sua contribuição aos estudos de desenvolvimento, particularmente, com Wicksell
e Schumpeter. Antes deles, a palavra investimento era desconhecida. Falava-se
apenas em capital e em juros, quando se queria mencionar investimento e lucro do investimento.
Böhm-Bawerk,
como preâmbulo de suas idéias, lembra exemplos singelos da atividade econômica,
em que os homens aperfeiçoam o produto, recorrendo à produção indireta. Em sua
faina diária, o pescador conseguirá maior rendimento, se aperfeiçoar seu
instrumental de pesca. A fase preparatória de aperfeiçoamento desse
instrumental é a produção indireta (o
investimento), destinada a aumentar a produção
direta da pesca.
Numa
economia menos bucólica, existem aqueles que se encarregam da produção direta e
aqueles que se dedicam à produção indireta. Há pescadores e produtores de
barcos. Mas se vier a ser necessário produzir maior quantidade de instrumentos
de pesca, será indispensável construir novas instalações; e, nessa
oportunidade, é natural que se procure aprimorar a produção mediante nova
combinação de fatores. Freqüentemente, o preparo das escalas de produção causa
o desvio de fatores da produção direta. É necessário poupar recursos, isto é, tornar disponíveis os fatores a serem
aplicados no preparo de novas escalas que irão suprir o mercado com maior
quantidade e melhor qualidade de produtos.
Foi
Knut Wicksell, um extraordinário economista sueco, não suficientemente
conhecido nos países em desenvolvimento, que deu ênfase à mudança de escala de
produção como característica do investimento; e que assinalou o acréscimo de
produtividade como fonte do lucro.
A
ênfase dada à transferência de recursos, do consumo para o investimento, visa a
assinalar o financiamento por meio de poupança, fenômeno de importância vital
em países pouco capitalizados e nada desprezível nos países desenvolvidos. Se houver
sinais de crescente procura de bens e serviços, a observação wickselliana
assume relevo especial. Esse relevo será tanto mais digno de atenção quanto
mais pronunciado for o impulso do dispêndio em relação à disponibilidade de
fatores.
As idéias
de Wicksell foram divulgadas em 1934, por iniciativa de Lionel Robbins. Mas,
como o mundo estava mergulhado num período de depressão, generalizava-se o
desestimulo aos investimentos. Wicksell permaneceu no esquecimento. Todas as
atenções se voltavam para Keynes, que recomendava a multiplicação do consumo
para o aproveitamento das instalações ociosas e, conseqüentemente, a volta ao
emprego de numerosos desempregados.
Com a
notável recuperação econômica dos dois últimos decênios, sob visível pressão
inflacionária, como sinal de início da carência de disponibilidade de fatores,
o problema da transferência de recursos do consumo para os investimentos ou dos
investimentos para o consumo revigorou a alternativa entre poupança e consumo,
assinalada por Wicksell. Mas esse aspecto da contribuição que ele prestou é
mais de natureza conjuntural. A grande contribuição de Wicksell,
caracteristicamente estrutural, é a demonstração de que o lucro provém do
investimento, em contraste com a secular convicção do lucro adstrito à
valorização ou à desvalorização das mercadorias.
O lucro
do investimento é de âmbito genérico. Não se restringe a tais ou quais fatores.
Significa um acréscimo da renda nacional,
cuja distribuição obedece a múltiplas condições. Destina-se ao Governo, sob
a forma de acréscimo de impostos; aos empregados, sob a forma de acréscimo de
salários; aos acionistas, sob a forma de dividendos superiores aos dividendos
atribuídos às ações de outras escalas de produção. Acima de tudo, destina-se
aos consumidores, que podem adquirir produtos novos sob condições mais
favoráveis.
De modo
geral, os investimentos realizados pelas empresas – com poupança própria ou de
terceiros – são registrados na contabilidade nacional sob a rubrica “formação
de capital fixo”. Nessa rubrica se compreende o equipamento comprado em
substituição ao antigo, quase sempre obsoleto, contendo inovações que
possibilitam a melhoria da produção; a aquisição de novo equipamento para
ampliar a produção; a construção de edifícios para alojar fabricas e
escritórios; a construção de novas usinas, novas estradas, novas residências.
Esse conjunto de produção indireta destina-se, em sua maior parte ao aumento da capacidade de produção de bens e
serviços e, conseqüentemente, ao acréscimo da renda da população. Com o
acréscimo da capacidade produtiva, os industriais podem produzir em melhores
condições; e, desse modo, aumentar salários e dividendos; os agricultores podem
produzir com mais eficiência e, assim, auferir receita mais vultosa,
distribuindo-a entre salários e diversas remunerações. Há acréscimo de renda
geral, em decorrência do aumento da capacidade produtiva, resultante dos
investimentos.
As
estatísticas não acusam porém uma conexão nítida entre a proporção do capital
fixo, em relação ao produto nacional, e o acréscimo da renda nacional.
Disparidades percentuais mostram que a conexão entre a formação de capital fixo
e o aumento de renda nacional é insegura. Com a mesma proporção de 18%, os
Estados Unidos conseguiram acréscimos de renda que variaram entre 2,7% e 4,2%.
A Itália, com 19%, conseguiu acréscimo de 6%. A Alemanha obteve taxa de
acréscimo de renda substancialmente mais alta do que a Grã Bretanha porque sua
proporção de formação de capital fixo foi substancialmente maior. Não há duvida
de que o acréscimo de renda depende da formação do capital fixo. O grau de
dependência é que varia, de país a país. Os resultados positivos ou negativos
do comércio exterior podem ter grande influência na taxa de aumento ou de
decréscimo da renda. A técnica é mais importante. Um investimento realizado com
técnica de elevado grau de eficiência imporá acréscimo de renda que,
obviamente, superará o de outro investimento, dotado de técnica inferior. Outro
elemento técnico é a economia de escala. Pode ocorrer que um investimento de
custo ligeiramente mais elevado produza resultado superior, pela possibilidade
de permitir que se abranja mercado mais vasto ou de reduzir custos
operacionais. Existe ainda a hipótese do preparo de escalas de produção com
margem ociosa para atender à expansão. O bom administrador não projeta os
investimentos visando, apenas, ao consumo imediato: aguarda a ampliação da
procura. Admitirá então, quando a demanda crescer, maior numero de empregados.
Antes da expansão, a relação do acréscimo da renda para o investimento é menor
do que depois, quando sobrevém a utilização plena das instalações.
Em
países como os Estados Unidos, mais do que na Alemanha ou na Noruega, por
exemplo, o emprego tem ponderação maior, no aumento da renda nacional. Mas o
aumento do índice de empregos pode provir de maior utilização de instalações
existentes. Neste caso, superestima-se a influência do emprego e subestima-se a
função do equipamento na formação do acréscimo da renda. Alem disso, é de
ressaltar-se que o fato de que, nos Estados Unidos, mais do que na Europa, os
assalariados percebem rapidamente o lucro do aumento da produtividade: lá, o
lucro dos investimentos é distribuído imediatamente, em larga escala, sob forma
de acréscimo salarial. Neste caso, mais uma vez, tende-se a superestimar o
fator emprego e subestimar a influência do investimento em instalações e
equipamento. Pelo fato de declinar a renda da propriedade em favor do aumento
de salários não se há de inferir que tenha diminuído a força propulsora dos
investimentos sobre a formação do acréscimo da renda nacional.
Fica
pois devidamente evidenciado que o lucro do investimento é genérico e não está
adstrito aos proprietários dos meios de produção. O lucro do investimento não é
o lucro do capital – é lucro que se atribui também ao capital, como remuneração
da poupança, que integra o investimento.
POUPANÇA E INVESTIMENTO
Em
qualquer regime econômico, todos os que dispõem de maior capacidade de trabalho
percebem salários superiores ao nível do salário comum. Esse excesso é
denominado renda, noção originada da
diferenciação de produtividade de terras mais férteis ou mais bem localizadas.
De modo geral, renda é a remuneração
concedida a um fator de produção cuja substituição é difícil.
Quem
recebe salário superior ao que se aufere comumente passa a dispor de maior pode
aquisitivo. Se o total da diferença a mais recebida for aplicada no consumo,
haverá, provavelmente, desperdício de recursos, em particular quando a fase
econômica é de acentuado desenvolvimento. A segurança do desenvolvimento
depende da aplicação de parcelas do excedente salarial no financiamento dos
investimentos.
Para
que se apresente a alternativa entre consumir e poupar, é indispensável
remunerar a poupança. Quem poupa espera reunir uma serie de vantagens em
relação à soma que deixa de aplicar no consumo. A expectativa de lucro é
capitalizável; e por esse motivo se designa o valor poupado como capital.
Há quem
afirme que a poupança pertence ao passado, isso leva a conclusões enganosas.
Não há
duvida de que a instituição da previdência social diminuiu a necessidade de
poupar. A transferência de renda, dos que trabalham aos que se aposentam,
prescinde da capitalização. Mas no que concerne ao crédito destinado ao
consumidor, se este pode antecipar a compra, sem acumular reservas, outros se
incumbem de formá-las, suprindo de recursos as empresas que vendem mediante
pagamento a prazo. Importante são ainda os lucros retidos pelas empresas –
poupanças genuínas, aplicadas em investimentos. Indiretamente, a poupança é do
acionista, que recebe menos dividendos no presente para auferi-los, acumulados,
no futuro.
É
apressada a afirmativa segundo a qual a poupança tende a declinar. A poupança
individual persiste, com marcada importância. Nem poderia ser de outro modo:
ela é parte integrante do investimento, sem poupança não há investimento.
A
poupança pode ser compulsória ou voluntaria. É indispensável porém destacar
recursos da renda, deixando de aplicá-los no consumo, a fim de que financiem os
fatores empregados nos investimentos. De uma maneira ou de outra, cede-se parte
da renda auferida em proveito dos investimentos.
Em
1836, Nassau Senior procurou definir a abstinência
como meio de preservação e aumento da renda nacional. Ele afirmava que a abstinência traduz a conduta de uma
pessoa que dá preferência a resultados remotos, em vez de perseguir resultados
imediatos. Eis a idéia nítida da complementaridade: poupança e investimento.
Cumpre
não esquecer porém que as conotações das palavras constituem flanco aberto à
controvérsia. Em vez de aceitar a palavra abstinência como manifestação de
transferência do presente para o futuro, no aperfeiçoamento da produção, Marx
apegou-se ao sentido de sacrifício e
insurgiu-se contra a notável contribuição de Senior. Querendo ridicularizá-la,
ponderou que em todo o contraste está a abstinência: quem anda, abstém-se de
ficar sentado; quem trabalha, abstém-se de ficar descansando. Entretanto o que
parece ser um contraste como outro qualquer representa, na verdade, uma
alternativa de importância fundamental para a economia, ou seja, a distribuição
das disponibilidades entre o presente e o futuro; entre consumir e poupar.
Nos
países socialistas, surge, ás vezes, uma tendência à formação de mercados
negros, não tanto pela escassez da oferta de bens de consumo, mas pelo
excedente da procura, originado do aumento da distribuição de renda. Desde que
parte considerável dos fatores de produção se destina à produção de bens de
capital, obviamente a quantidade de bens de consumo, ao menos em sua variedade,
não chega a corresponder à procura global, alimentada pelo poder de compra
proveniente da totalidade da remuneração recebida pelos fatores de produção,
inclusive os acréscimos de salários, decorrentes de compensações à
especialização técnica.
Nos
países onde existe o estimulo à capitalização, reduz-se a pressão do acréscimo
da renda sobre o mercado de bens de consumo, pela relativa facilidade de
transferi-la para o mercado de bens de capital. Dosa-se o consumo pelo estimulo
à capitalização.
É vital
estimular a poupança, ainda que seja mediante pagamentos adicionais de salários
em participação do capital, pela dupla vantagem de assegurar-se a melhoria da
remuneração do trabalho em consonância com a evolução do lucro dos
investimentos e de impedir-se uma distribuição que possa pressionar o consumo,
em detrimento da realização dos investimentos ou, pior ainda, em risco da
estabilidade monetária, sinal de excesso de consumo sobre as possibilidades de
acréscimo da produção.
* 1906-1990. Ministro da
Fazenda (1964-1967); Diretor (1954-1955) e Superintendente (1961-1962) da SUMOC
– Superintendência da Moeda e do Crédito (Banco Central do Brasil, a partir de
1964); Membro da Delegação do Brasil à Conferência Monetária e Financeira de
Bretton Woods (1944); Membro do Conselho Nacional de Economia e do Conselho
Monetário Nacional; Presidente do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (após
1967); Presidente do Banco do Estado da Guanabara (1971-1974); Professor
Catedrático e Professor Emérito da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas
(FNCE) da Universidade do Brasil (atual Instituto de Economia da UFRJ).
Meu Professor de
Macroeconomia, nos idos dos anos 1960, a quem devo muito do conhecimento que
adquiri, meu entusiasmo pela ciência econômica, meu norte pelo seu brilhantismo
acadêmico, minha admiração pelo seu legado como executivo no serviço público,
por sua moral ilibada. Patrono da minha Turma na FNCE.
** Pelos critérios de progressão na carreira do
magistério superior adotados pela UFRJ, em particular as regras de
“produtivismo” do Instituto de Economia, rigorosamente seguidas pelas suas
doutas e ilibadas “bancas examinadoras”, em especial por certos zelosos examinadores, creio
que o Professor Bulhões muito provavelmente não passaria de um modesto
professor assistente. Muito provavelmente não lograria aprovação na avaliação
de seu desempenho porque teria “produzido” pouco, isto é, teria “pontuado”
pouco: publicou muito pouco e, ainda, cometeu erro imperdoável pelos padrões
atuais, porque dedicou sua vida acadêmica prioritariamente à sala de aula nos
cursos de graduação.
Octavio Gouvêa de Bulhões